NOTGET
Tinha que ser uma personagem “maior que a vida”, uma gigante – mas não sou eu. Estou tentando explorar o mito de todas as mulheres feridas.
“Notget” é uma música que começa como uma pessoa muito ferida e derrotada. Mas, ao se revelar no meio da música, e com seu mantra ‘o amor nos salvará da morte’, ela cresce e se torna imbatível. Não se trata, nem por um segundo, de tentar me revelar como essa pessoa, sem dúvidas. Pelo contrário, trata-se da minha superação da dúvida. 6—björk
Modelo da máscara-capacete do avatar de Björk para “Notget” em RV.
Projeto conceitual para o avatar de Björk.
Direção de Warren Du Preez, Nick Thornton Jones
Antes de mais nada queríamos criar algo que fosse inato e vivencial, usando um processo exclusivo e não algo já testado.
– Warren Du Preez
Na experiência de “Notget” em RV feita para o HTC Vive, os diretores Warren Du Preez e Nick Thornton Jones, parceiros frequentes de Björk, criam um mundo submarino maravilhoso, no qual uma versão mítica de Björk – primeiro, como uma mariposa com asas e, depois, escondida em tentáculos girando em torno de um corpo quase efêmero – executa uma trilha que mergulha profundamente na dor da perda e arrependimento antes de sair voando em júbilo.
“Antes de mais nada, queríamos criar algo que fosse inato e vivencial, usando um processo exclusivo e não algo já testado”, explica Du Preez. “Tratava-se de criar algo que homenageasse Björk e adotasse os conceitos de se mover dentro de um espaço 3-D, incorporar um avatar e usar a tecnologia que estava, naquele momento, prestes a ser polinizada por outros processos criativos.”
Mencionando tanto o cinema quanto a pintura como grandes influências, Du Preez observa que as qualidades visuais que ele e Jones buscavam eram lugares escuros, cavernosos, de outro mundo, com membranas e tentáculos para Björk, e uma sensação de que o mundo é cheio de luz e fosforescente. Duas máscaras criadas por James Merry também aparecem – a máscara “Mariposa” e a máscara “Medusa” apontam para as duas partes distintas do projeto, uma sombria e a outra eufórica.
“Enquanto fotógrafos e cineastas, fizemos muitos projetos que tinham esse DNA já no processo criativo”, explica Jones e, de fato, o trabalho da dupla invariavelmente evoca uma paisagem exuberante, muitas vezes surreal e atmosférica em que se manifesta a tonalidade emocional, externalizada na forma de mundos inteiros. Continua: “Não raro há uma profundidade extrema e uma qualidade cinematográfica – e isso não é fácil de fazer, quando você está em um mundo de jogos binários”. Jones se refere ao fato de que os visuais deliciosos que tornam “Notget” tão memorável foram criados na plataforma Unity e renderizados em tempo real.
“Quando recebemos o briefing de Warren e Nick, eles citavam muitas referências e escreveram um belo roteiro que se aproxima da música”, diz Arvid Niklasson, coproprietário e diretor da Analog, estúdio de efeitos visuais com sede em Londres, que trabalhou com Du Preez e Jones na experiência em RV de “Notget”. “Eles descreveram sua visão de um relacionamento decaindo e florescendo. Interpretar essa decadência e essa florescência exigiu um equilíbrio entre a estética da Analog e a capacidade de renderização em tempo real. Algumas das escolhas visuais se resumem à qualidade da renderização em tempo real e até onde poderíamos apresentar detalhesda experiência.”
A captura de movimentos do corpo de Björk enquanto ela interpretava a música foi um dos detalhes que exigiu atenção especial. Niklasson diz: “O pessoal da Imaginarium nos ajudou com a captura de movimentos faciais e corporais de forma absolutamente incrível. Ter uma interpretação fantástica como base tornou o nosso trabalho muito mais fácil”.
Comentando sobre o significado do desempenho e das gravações, Jones explica: “Pode ser difícil retratar em RV essa ideia de uma tomada. Como diretor de cinema, muitas vezes você oblitera a verdade de uma interpretação ao editar, mas fica com apenas uma versão e se deixa levar por ela, como no teatro: há verdade nisso”. Continua: “A fidelidade que existe nesse desempenho pode ser sentida. E a Björk é uma artista incrível. A apresentação dela me arrepiou. Apesar de todo o aparato de sua roupa, de todos os dispositivos eletrônicos apontando para o seu rosto, ainda dava para sentir. Essa proximidade e esse nível de humanidade ainda transparecem”.
Talvez esse senso de conexão com Björk na música “Notget” tenha levado alguns espectadores às lágrimas e obtido para o projeto um Grand Prix no Festival Internacional de Criatividade de Cannes. De fato, enquanto você se movimenta no mundo submarino, a presença exuberante de Björk, evidenciada por seus movimentos inimitáveis e pelo tamanho gigante, é incrivelmente provocadora. “O principal superpoder da RV é a escala; e brincar com a escala da personagem ao longo do tempo na experiência realmente funcionou surpreendentemente bem”, continua Niklasson, explorando os elementos do projeto que são mais impressionantes. “Procuramos tornar a personagem tão enorme quanto um prédio. Embora tenha sido interessante, isso se sobrepôs à atuação e, então, decidimos torná-la mais sutil.”
Um dos outros elementos ímpares da experiência “Notget” é a lula que chega ao espectador em vários momentos, enquanto Björk se apresenta. “É totalmente feita durante a atuação; portanto nasce e é animada por si só, a partir do código”, diz Niklasson. “Criamos um pequeno cérebro para ela, com algumas ‘emoções’. Ela sente Ciúme, Timidez e Cansaço, e, dependendo das ações do usuário, ela muda o que faz. Se o usuário olha principalmente para Björk, ela fica com ciúmes e quer estar no seu campo visual. Se o usuário a procura, ela tenta se esconder na paisagem e, às vezes, fica um pouco cansada.” Isso significa que não há duas experiências iguais de “Notget”.
“Não estamos assim tão empolgados por dominar uma tecnologia”, admite Du Preez. “Nossa preocupação é mais com a capacidade de tocar, alterar e afetar a percepção das pessoas através do nosso trabalho. Alcançamos um ponto muito alto com ‘Notget’; a mídia ainda está crescendo; ficará mais intuitiva e provocativa à medida que avançar.”
Porém, por enquanto, podemos apreciar os resultados de uma parceria poderosa que, usando o mecanismo de um jogo, misturou, com sucesso, a prática de design e uma estética cinematográfica dedicada à complexidade emocional, para criar um mundo em que podemos nos encontrar com Björk e vivenciar, de perto, sua apresentação poderosa. “Quando não se está muito ligado ou conectado à máquina, pode-se questionar as restrições”, conclui Du Preez. “Sempre há essa aspiração e desejo de ir um pouco além do possível. É o mantra que seguimos.”
Renderização da máscara “Moth”, de James Merry, para “Notget” em RV.