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MOUTH
MANTRA

Jesse [Kanda] é uma pessoa mágica que conheci através da [DJ] Arca e, depois de muita dança e animação, ele surgiu com o conceito da boca. 7—björk

Eu estava em um momento da minha vida em que o único plano era não ter plano nenhum. A gente apenas tem que se deixar levar e agir totalmente por instinto. Se parecer certo, estará certo. Se não, então, sabe como é, basta sumir do mapa. 8—björk

Por trás das câmeras
de “Mouth Mantra”.

Stills de “Mouth Mantra”.

Direção de
Jesse Kanda

Eu tinha esse tipo de sensação de posse e confiança cega. Se você me visse trabalhando, pensaria que eu estava possuído – encarando essa boca durante mais de quatro meses todos os dias, repetindo segundos da mesma música de novo e de novo e de novo – marchando, marchando, marchando em frente.
— Jesse Kanda

Nascido e criado no Japão, o diretor Jesse Kanda diz que se inspirou na vulnerabilidade que sentiu ao ouvir o álbum Vulnicura para criar o vídeo “Mouth Mantra”, que se tornou projeto de realidade virtual na exposição Björk Digital. “Minha impressão sobre o Vulnicura como um todo – além da beleza – foi que era tão corajosamente íntimo que me senti incentivado a tentar reproduzir isso visualmente”, explica Kanda.
A música, como tantas outras do álbum Vulnicura, tem dois lados, passando de uma abertura ousada com cordas para um som quase áspero, esfarrapado. Jon Pareles, crítico de música do New York Times, a descreve do seguinte modo: “‘Mouth Mantra’, em que Björk canta sobre ter sido silenciada, começa como uma valsa e depois fica caótica, com vozes fantasmagóricas e um frenético fogo cruzado eletrônico”.
Qual a melhor forma de captar tanto esse sentimento de intimidade como o “frenético fogo cruzado eletrônico” em uma experiência de RV? Para Kanda, penetrar no corpo de Björk parecia ser a melhor aposta e, como a música reflete tanto o silenciamento físico quanto o metafórico que a cantora vivenciou – o primeiro, por conta de uma cirurgia de garganta, e o segundo, por conta de costumes culturais que sufocam emoções excessivas –, a boca parecia o ponto de entrada ideal.
“Pensei que trabalhar com as lindas cores, texturas e movimentos do interior da boca seria não só maravilhoso, mas também muito íntimo – especialmente para uma cantora!”, continua Kanda. “E a quantas pessoas no mundo eu poderia pedir isso, e que concordariam em fazê-lo? Não me lembro da resposta dela, mas provavelmente um e-mail com muitos pontos de exclamação que me fizeram pular de alegria.”
Para a experiência, Kanda coloca o visor da câmera de realidade virtual dentro da boca da cantora e nos deparamos com sua língua extravagantemente rosada e agitada, e as bochechas vermelhas e úmidas, com os dentes entrando e saindo de foco em um redemoinho de rangidos. Às vezes, pairamos com a câmera logo abaixo da boca de Björk, seus lábios e dentes molhados piscando logo acima de nós. É horrível e fascinante ao mesmo tempo, com aquela enormidade mostrando o incrível poder de escala no projeto de experiências de realidade virtual.
Em vista dos grandes desafios de se colocar uma câmera dentro da boca de uma pessoa – como iluminar esse espaço escuro? –, Kanda trabalhou a partir de um modelo da boca de Björk, fornecido por um dentista, que foi posteriormente ampliado e impresso em 3-D. Isso se tornou a base do grande modelo animatrônico da boca de Björk, medindo 1,2 metro, criado pelo John Nolan Studio, com sede em Londres, especializado em animatrônica. O cofundador da Rhizomatiks Research, Daito Manabe, desenvolveu o sistema de imagens para o vídeo.
Para Kanda, o projeto se tornou uma obsessão, em parte pelo fato de ser tão ousado. “O principal desafio do vídeo foi a pressão e a responsabilidade que senti”, explica ele. “Foi, de longe, o projeto mais ambicioso que havia feito, até então, e só tive a noção da altura do penhasco depois de saltar.”
Kanda capta um sentimento que tantas pessoas que trabalham com a Björk devem vivenciar, quando artistas parceiros são pressionados não só tecnicamente, ao trabalhar com ferramentas onde não há um fluxo de trabalho definido e para as quais existe um vocabulário visual estabelecido, mas também conceitualmente, pois todo projeto explora um novo terreno emocional.
“Eu tinha esse tipo de sensação de posse e confiança cega”, continua Kanda, referindo-se ao seu processo após gravar as imagens. “Se você me visse trabalhando, pensaria que eu estava possuído – encarando essa boca durante mais de quatro meses todos os dias, repetindo segundos da mesma música de novo e de novo e de novo – marchando, marchando, marchando em frente. Acabei no hospital por causa do estresse.”
Depois de assistir ao vídeo, tudo faz sentido. Björk e Kanda não são artistas do tipo que vão até o meio do caminho e depois seguem em frente, e o vídeo permanece sintonizado com a dor e a vulnerabilidade da música. “Eu acho que a dor faz sangrar e choca em todo o vídeo”, diz Kanda, “e o peso disso é, espero, apropriado para essa música”.
Como muitos projetos que envolvem a música de Björk, “Mouth Mantra” se conecta à história mais ampla da arte, neste caso, a um conjunto de projetos de artistas feministas como Mona Hatoum e Kiki Smith, conhecidas por representações viscerais do corpo feminino e uma investigação sobre o abjeto. A videoinstalação de Hatoum, de 1994, intitulada Corps étranger [Corpo estrangeiro], por exemplo, inclui a projeção no chão de imagens de dentro da garganta e do intestino da artista, captadas por um endoscópio. Em pé, olhando para a projeção, é como se nos arriscássemos a cair dentro dela; com as imagens, viajamos, num misto de fascinação e horror, por entranhas carnudas e molhadas. O filósofo francês Georges Bataille, que Björk mencionou como influência, usou o termo “informe” na década de 1930 para descrever a insólita, e por vezes abjeta, sensação simultânea de desejo e repulsa.
Essa ambivalência é certamente evocada pela carne envolvente das imagens de Kanda em “Mouth Mantra”, que pode afastar ou emocionar as pessoas, dependendo da interpretação de cada um. Kanda se recorda de ter visto o projeto em público depois de ter tido o devido tempo para se recuperar. “Vi o vídeo como pano de fundo no show dela no Japão, era incrível. Foi o máximo, realmente fantástico. Na verdade, fez com que todo aquele trabalho tivesse valido totalmente a pena para mim.”
Comentando sua parceria com Kanda, Björk disse: “Quando trabalho em parceria com as pessoas, quero muito entrar numa viagem”. Sem sombra de dúvida, “Mouth Mantra” é uma viagem e sugere que a parceria entre Kanda e Björk foi absolutamente excepcional.

Stills de “Mouth Mantra”.

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