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FAMILY

Vivenciei meu “coração partido” como se tivesse uma grande ferida no peito que eu tentava costurar; então me curvei para trás – quase como uma posição de ioga chamada “ponte” – e todo o sangue das minhas veias se tornou como que chumbo preto de tanta tristeza, e endureceu na forma de uma escultura de mim curvando-me para trás. Depois de curada, costurei minha ferida e me livrei da bagagem e da dor terrenas e, por um instante, passei a ser esse ser iluminado 5—björk

Imagem da proposta de “Family” em RV para demonstração de interatividade.

Vídeo “Family”, conceito da arte de Andrew Thomas Huang.

Direção de Andrew Thomas Huang Codireção de criação de James Merry

Senti que estava aprendendo uma linguagem nova porque, embora estivesse pensando do ponto de vista fílmico, estava criando algo que também era como um brinquedo da Disneylândia.
— Andrew Thomas Huang

“Quando a gente ouve a música ‘Family’, é uma experiência transcendental”, afirma o diretor Andrew Thomas Huang. “É uma das melhores músicas da Björk; então é uma tarefa difícil: como criar algo digital e virtual tão grandioso e agradável como essa música, com um orçamento limitado?”
Essa pergunta foi respondida por Huang, juntamente com Björk e o diretor de criação James Merry, que, em parceria, produziram o lindo vídeo “Family”, de dois minutos, bem como a experiência em RV de “Family”, projetada para o sistema HTC Vive.
O projeto teve início com a ideia de Björk de criar uma capa de álbum em movimento para o Vulnicura, inspirado na música, que ela considera ser a “matriz” do álbum – seu núcleo – dada a maneira como personifica a narrativa mais ampla do álbum a respeito de perda e renascimento.
O vídeo de dois minutos da capa em movimento do álbum, dirigido por Huang, abre com uma rápida investida sobre a pedra vulcânica preta acompanhada por sons de cordas e a voz de Björk, que parece deslizar, também, em camadas. O corpo de Björk vai surgindo, pouco a pouco, como uma pedra negra pontuda. Congelada no gesto da curva para trás, a figura imediatamente coloca o corpo de Björk em um estado de extrema vulnerabilidade, com o corte semelhante a uma vulva grande e escancarada, enquanto também derrete a figura na terra elementar, um emblema de libertação e abertura, bem como conexão e comunhão. Aqui, o corpo de Björk é tudo: música, carne, rocha e solo.
Por outro lado, a experiência em RV da música “Family”, produzida rapidamente em setembro de 2015, é bem mais elaborada. Em poucos anos, da época de “Black Lake”, a tecnologia de RV desenvolveu-se a ponto de Huang sentir que poderia explorar novos rumos para melhor navegar em uma história espacializada, trabalhando com um design global.
“Pensei no vídeo como uma diversão”, explica Huang. “A plataforma Vive foi uma das primeiras em que você podia se mover volitivamente, então era isso que as pessoas queriam fazer.” Em “Family”, os espectadores podem navegar pelo espaço da história e vivenciar uma correspondência individual com o mundo, criando uma experiência muito mais visceral que qualquer projeto anterior da Björk. “Senti que estava aprendendo uma linguagem nova porque, embora estivesse pensando do ponto de vista fílmico, estava criando algo que também era como um brinquedo da Disneylândia.”
Esse brinquedo é uma viagem que parte de dentro da terra para uma paisagem a céu aberto com Björk. “Viajamos por um submundo cavernoso e depois subimos por um ‘buraco branco’ no céu para chegar a esse terceiro plano”, diz Huang. Ele precisava fazer com que o movimento fosse coerente, do ponto de vista temático, e decidiu usar a imagem do fio de ouro como fio condutor pulsante, que nos leva através do espaço da história. “Ela o costura no peito, pelo qual vivenciamos sua morte e testemunhamos seu ressurgimento final como uma divindade”, diz ele.
O projeto marcou o ponto de partida de Huang, que migrou do cinema e vídeo para o design de games na Unity. “Eu mesmo animei o avatar manualmente; eu na projetei meticulosamente com o ZBrush Illustrator”, diz ele, acrescentando que, de forma geral, encarou o projeto como uma animação íntima, embora, na realidade, fosse realmente um projeto em tempo real na Unity.
“É uma linguagem totalmente diferente”, diz Huang. Ele credita o sucesso dessa mudança – dos fluxos de trabalho de animação e vídeo para os da Unity – a uma parceria com Vince McKelvie, artista conhecido por suas animações geradas por computador e projetos interativos renderizados em tempo real, criados para navegadores. Para Huang, essa mudança significou repensar as capacidades básicas da animação e as de um mecanismo de game.
Quando termina a experiência de “Family”, Björk se movimenta pelo espaço do projeto e perspassa o espectador em um grand finale incrivelmente íntimo. Dessa forma, “Family” capta habilmente um tema recorrente e central no conjunto mais abrangente da obra de Björk, ou seja, sua tendência para o hibridismo e como ela tantas vezes mescla, transmuta e muda de forma. Sua voz se move através de registros do real e do sintetizado; seu corpo se transforma de humano em animal: ela recusa a ficção fácil do eu estável e do corpo singular.
Essa mutabilidade é uma qualidade que Huang admira em Björk; ela remete a um tema muito mais amplo para ele também. “Quando criança, eu observava as coisas e sempre me empolgava quando via esse tipo de hibridismo, quando não sabia como algo era feito”, diz ele. “Lembro-me de ouvir a voz autossintonizada de Cher em ‘Do You Believe in Life After Love?’. Fiquei muito empolgado com a ideia de sua voz ir se tornando gradualmente sintetizada, ininterruptamente, e os dois sons tornando-se um só.”
Huang continua a explicar, lembrando o vídeo “Hunter”, da Björk, de 1999, dirigido por Paul White, que mostra a imagem de Björk dos ombros para cima, careca, gradualmente se transformando em um urso estilizado. “Foi a primeira vez em que vi o rastreamento de rosto, que, na época, era feito manualmente. O urso polar e a Björk são um tipo de cyborg perfeito, sem costura. Posso traçar uma linha entre esse vídeo e a música da Cher – e é com isso que me empolgo.”
Esse hibridismo alegre aparece no conjunto de avatares em 3-D de Björk projetado por Huang; são aparições efêmeras que parecem estar meio andando, meio voando; criadas em loops e disponibilizadas pelo Sketchfab, essas figuras não só ressaltam a produção incrivelmente criativa do álbum, mas também incorporam esse senso de hibridismo. “Parte do problema de fazer todo esse trabalho em RV foi que relativamente poucas pessoas puderam vê-lo”, explica Huang. “É por isso que gostei do trabalho do Vince – ele tomou por base o navegador e daí tentei criar muito conteúdo adicional em torno da mostra Björk Digital, para que as pessoas pudessem entender o que estávamos tentando fazer.”
Vivenciar a música “Family” muitos anos depois de sua criação continua sendo algo notável. Embora cada ano pareça ser mais como uma década no desenvolvimento tecnológico contemporâneo, as inovações de Huang e de muitos outros que contribuíram para o projeto se mantêm, talvez porque sejam menos motivadas pela tecnologia e mais pela emoção.

Still do vídeo “Family”, criado em uma colaboração entre Björk e Andrew Thomas Huang. O vídeo mostra a capa do álbum Vulnicura em movimento.

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