BLACK
LAKE
Fazia um frio de rachar e eu cantava a plenos pulmões e andava descalça na lava. . . eram condições tipo extremas, mas perfeitas para a música. Essa é provavelmente uma das minhas composições mais viscerais, então [era] essencial ir àquele lugar. 4—björk
“Sou uma ferida”, canta Björk no começo da faixa despojada de “Black Lake”, uma angustiada lamentação de dez minutos criada após a cantora ter-se separado do artista Matthew Barney. A declaração de Björk é ressonante e orientou o diretor Andrew Thomas Huang no projeto do vídeo “Black Lake”, encomendado pelo Museum of Modern Art, de Nova York, para acompanhar a retrospectiva de Björk naquele museu, realizada em 2015. O vídeo panorâmico mostra Björk enlutada em um cenário grandioso e inóspito, no qual ela se entrega a uma violenta catarse, movimentando-se na paisagem e exorcizando sua dor.
“‘Black Lake’ é uma obra sobre a morte”, afirma Huang, que trabalha em Los Angeles. “É como se fosse uma lápide para a pessoa que Björk havia sido.” Huang diz que os planos iniciais para o projeto eram extensos e grandiosos. Falou-se em criar uma experiência numa cúpula em 360 graus e, de fato, Huang, que geralmente inicia seus projetos com desenhos conceituais, diz que as primeiras ideias para o projeto eram extremamente estilizadas. Mas ao chegar à Islândia para gravar o vídeo, no verão de 2014, ficou muito impressionado com a beleza soturna da topografia. Com sua expansividade, associada à crueza da performance de Björk, aquela paisagem mudou todo o conceito do vídeo para ele.
“Tivemos que deixar de lado todos os penduricalhos”, diz Huang. “Como se tratava da obra inicial do programa do MoMA, ficamos tentados a fazer algo que fosse o mais envolvente possível, mas a verdade é que ‘Black Lake’ queria ser um filme tradicional e, no final, foi isso que aconteceu. Tudo bem para mim.” E Huang continua: “Parte da produção de filmes ou, na verdade, toda criação de arte ou é aditiva ou subtrativa e, nesse caso, foi extremamente subtrativa. A atuação está toda lá, e isso é tudo de que precisávamos”.
Huang destaca que, durante as filmagens, que levaram três dias, Björk ensaiou a música várias vezes, em geral trabalhando catorze horas seguidas, em clima frio e úmido, caminhando descalça por terrenos escarpados e cantando nos barrancos úmidos esculpidos na paisagem islandesa. “Ela não estava fingindo, nem por um minuto e, como diretor, tenho que ser sensível àquilo que a atuação oferece; nesse caso, não havia muito a acrescentar.”
Huang, que considera o vídeo um retrato documental das emoções, acertadamente chama atenção para o desempenho extraordinário de Björk, que usa um vestido com aplique de franzido com fios de cobre trançados à mão na seda pela estilista holandesa Iris van Herpen. A artista aprendeu expressão corporal com a coreógrafa e dançarina islandesa Erna Ómarsdóttir. Enquanto canta e caminha, os gestos de Björk tornam-se quase sobrenaturais; ela imita os movimentos recortados de rocha e gelo, cada gesto, uma intensidade ou força, muito mais que um sinal humano comum.
Direção de
Andrew Thomas Huang
“Black Lake” é uma obra sobre a morte.
É como se fosse uma lápide para a pessoa que Björk havia sido.
— Andrew Thomas Huang
Para a mostra do MoMA, o vídeo de Huang foi exibido em loop, em superwide-screen, em cada extremidade da sala de exposições. O diretor e Björk estavam interessados em criar uma instalação sonora para acompanhar o vídeo, em que a própria música faria o ambiente tremer. Para concretizar essa ideia, Huang trabalhou no projeto do espaço com o arquiteto David Benjamin, cuja obra se concentra nas relações entre arquitetura e biologia. Em parceria, criaram um espectograma, ou seja, um mapeamento visual do áudio em computador e depois transpuseram essas informações para criar uma topologia da música. A topologia foi representada fisicamente por peças de feltro cortadas a laser e depois dobradas à mão, e o feltro depois foi costurado em cones que se assemelham a cracas; foram fixados às paredes e ao teto da sala, junto com cinquenta alto-falantes e subwoofers, criando uma caverna muito parecida com a do vídeo de Huang. Em suma, a sala tornou-se uma manifestação física da música.
Embora a ideia inicial de Huang para “Black Lake” possa ter sido muito maior que aquilo que conseguiu criar, o vídeo mantém efeitos deslumbrantes de outro mundo. Por exemplo, quando a tristeza de Björk atinge o clímax, aparecem riachos de lava azul que rapidamente explodem em fogo, sinalizando uma reviravolta. Logo depois, Björk é dramaticamente absorvida de volta à Terra e renasce para a sequência final do vídeo.
Ironicamente, o último segmento do vídeo apresenta uma imagem icônica que Huang havia imaginado antes do início do projeto, cuja gênese se deu durante uma viagem dele a Reykjavík depois de conhecer Björk. “Conversamos sobre a retrospectiva, e ela me mostrou ‘Black Lake’, que ouvi e digeri. Tendo em vista que geralmente inicio meu trabalho com um estudo, fiz um esboço dela a caneta, como mulher sendo esfolada.” Huang diz que foi inspirado, em parte, pela obra de Carl Jung, que explorou crises e despertares espirituais com grande interesse. “Foi uma fusão perfeita, essa ideia de passar por uma crise espiritual provocada por um rompimento e pela sensação de ser esfolada viva, de esfolar a pele.” Björk gostou da abordagem, e o desenho acabou sendo usado por Iris van Herpen para criar a capa usada por Björk na sequência final. É composta por tiras finas de material que lembram a pele; depois de filmar a atuação dela, as tiras foram modeladas em Maya e pareciam fiapos flutuando no ar. “Quando Björk gira, sua pele parece se esfiapar”, diz Huang.
“É a conclusão perfeita para uma música épica sobre desilusão amorosa.”
Huang afirma que muitas ideias para “Black Lake” foram abandonadas em função de problemas de orçamento, política ou tempo. Mas diz que o acaso e a surpresa poética fizeram com que todo o trabalho sonoro valesse a pena, no final. “No projeto ‘Black Lake’, o que sobreviveu à exposição no MoMA foi o áudio ambisonic em 4-D criado pelo designer Marco Perry. Para mim, iniciar o projeto ‘Black Lake’ com uma ótima experiência de áudio tem tudo a ver com Björk. Se vamos criar uma experiência imersiva, precisamos começar por aí, pelo áudio.”
Huang admite que, muitas vezes, os artistas que trabalham com tecnologia podem se envolver nos meandros da forma, às vezes às custas de criar uma experiência humana real. Ele se considera parte desse grupo, mas acrescenta: “Como cineasta, tenho que ser emocionalmente sensível ao talento e realmente fazer a experiência acontecer. Muitas vezes, isso requer restrições. ‘Black Lake’ tem tudo a ver com esse comprometimento”.
Renderização conceitual inicia da instalação “Black Lake” no MoMA, feita por Andrew Thomas Huang.